domingo, 15 de janeiro de 2012

Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço - Parte III

A posição abaixo foi jogada pela 5ª rodada dos Jogos Universitários 2011. Até então eu contava com 3 pontos e uma vitória nessa partida me colocaria junto aos líderes. Saí da abertura muito contente com a posição alcançada. 1º em minha estrutura não há debilidades latentes, enquanto o peão c3 e o peão de a3 brancos são visivelmente alvos. 2º Tenho posse da coluna "c", o que faz a pressão sobre o peão c3 ainda mais forte. 3º Meu bispo de casas brancas junto com meu cavalo controlam casas importantes do centro. O ponto forte da posição das brancas é a atividade de suas peças, mas não é claro como irão explorar a forte colocação de seu cavalo de e5 e a boa casa de seus bispos. O sacrifício Cxf7 não funciona pois Txf7 seguido de Bd5 resolve os problemas das pretas.


Leonardo de Oliveira x Eider Cruz PGN
Posição após 17. Ce5

O meu plano foi traçado da seguinte maneira: se o peão de c3 desaparecer, o peão de d4 ficará mais fraco, além de eu poder controlar a casa d5 de forma muito mais livre e usá-la como ponto forte para a ativação de minha peças. No entanto fui muito ansioso na hora de colocar em prática esse meu plano e deliberadamente criei fraquezas na minha posição até então muito sólida e dei ao branco tudo o que ele queria para melhorar o jogo de suas peças: alvos. 

A partida continuou da seguinte maneira: 17. ... b5? Mais forte era 17. ... Ce4! que além de trocar peças para diminuir o perigo da atividade branca, coloca pressão imediata sobre c3. Por exemplo, 18. Bxe7 De7 19. Tdc1 e a posição branca é muito desconfortável. 18. Ba2? Mas as brancas respondem também com um erro e Ce4 se torna ainda mais poderoso. 18. ... Ce4 e se 19. Bxe7 Dxe7 o peão de b5 preto se torna imune e o peão de c3 branco inevitavelmente cairá. Então as brancas teria que jogar 19. Bd2 Cxc3 20. Bxc3 Txc3 21. Db5 as debilidades brancas de d4 e a3 tornam a posição do branco muito delicada.  Mas ao invés do fortíssimo Ce4, joguei o ansioso 18. ... Txc3 crente de que o peão de a3 também cairia e assim eu venceria o final. No entanto, há muitas peças ainda em jogo e o final ainda está longe de ser alcançado. 

19. Dxb5 Da8 e o ditado "capivara não pode ver peão" é a crônica dessa partida. Sem perceber, eu troquei por um simples peão todas as vantagens de minha posição. 19. Dc7 ainda manteria as brancas em estado de alerta. 20. f3 Txa3 Finalmente o fim do meu plano equivocado.


21. Bc4? Mas novamente o branco responde com um erro. Correto seria 21. Tdb1 Bc8 com aproximada igualdade, pois apesar do peão a mais as peças negras estão descoordenadas. Note que 21. ... Bd5 poria a iniciativa do lado do branco. 22. Bxf6! gxf6 (se 22. ... Bxf6  então 23. Bxd5 seria mortal) 23. Bxd5 Dxd5 24. Dxd5 exd5  e veja que triste fim teria a antes sólida cadeia de peões negros.

21. ... Ba6 22. Dc6 Bxc4 23. Dxc4 Graças ao erro no 21º lance branco, eu consegui trocar algumas peças e manter o meu peão a mais. Nesse momento era hora de colocar atividade na coluna "c" com ideia também de defender o peão que se encontra carente de proteção com Tc7. No entanto, eu achei que o Tc8 pudesse ser jogado no próximo lance e joguei. 23. ... Txa1? 24. Txa1 e agora me dei conta que minha manobra Tc8-c7 já não é mais possível por causa do simples Txa7. Agora o meu peão de "a" está fadado à morte, pois a atividade das peças brancas é muito superior às peças negras e então percebi que todos os meus esforços da abertura e do meio jogo me renderiam a partir desse momento no máximo o meio ponto. 24. ... Cd5 25. Bxe7 Cxe7 26. Dc5 Dd5 27. Txa7 e o empate foi acordado. 1/2-1/2

E finalmente chegamos ao final do último post da saga de retrospectivas. Os detalhes (que fazem toda a diferença) avaliados nesses três artigos nos fazem desperdiçar em diversas ocasiões posições promissoras. Mas não é só a mim que eles prejudicam na hora de alcançar posições melhores nas tabelas de classificação: eles acompanham pelo mundo inteiro jogadores de todos os níveis - de aspirantes a Grandes Mestres. Por isso é preciso estar atento e em constante reflexão sobre essas sutilezas da nossa ciência, para que com a objetividade da nossa avaliação possamos alcançar os sonhados saltos de qualidade que nos farão um dia alcançar o olimpo do xadrez. 

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